Luís Octávio Outeiral Velho[1]
Com o advento da Constituição Federal de
1988, o sistema processual penal brasileiro, abraça o corolário da dignidade da
pessoa humana. Nesse sentido, inova ao que se refere à separação dos poderes,
tendo o Ministério Público como titular da ação penal (art. 129 CF/88; com
exceção do artigo 5º inciso LIX, da Lex
Legum). Neste viés, estabelece inequivocamente as funções da polícia
federal e civil, para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder Judiciário
(artigo 144 CF/88).
No que versa sobre a possibilidade do órgão
Ministerial realizar a investigação criminal, posiciona-se Alexandre de Moraes[2], citando decisão do
Pretório Excelso: O Supremo Tribunal Federal reconheceu ser “perfeitamente possível que o órgão
ministerial promova a colheita de determinados elementos de prova que
demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito”, pois,
conforme salientado pela Ministra Ellen Gracie, “tal conduta não significaria
retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas
apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144), de modo a
compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos,
mas também a formação da opinio delicti.”
Data máxima vênia ao entendimento do Supremo
Tribunal Federal. É primordial, que entre os poderes haja o equilíbrio de
contrapesos e medidas, ademais, conceder ao órgão Ministerial a intervenção
para promoção de provas, seria não impor-lhes limites, isto é, tornar o poder
do Ministério Público discricionário e arbitrário. Isso se dá, pois, o parquet não atua como fiscal da lei no
processo penal, conquanto como parte.
Nesta senda, o doutrinador Juarez Tavares[3] nos ensina:
“É inconcebível que se atribua a um órgão do
Estado, qualquer que seja, inclusive ao Poder Judiciário, poderes sem limites.
A democracia vale, precisamente porque os poderes do Estado são limitados,
harmônicos entre si, controlados mutuamente e submetidos ou devendo submeter-se
à participação de todos, como exercício indispensável da cidadania.”
Arraigado na mesma concepção, Guilherme de
Souza Nucci[4]
cita Maurício Henrique Guimarães Pereira: “[...] Melhor, então manter o
delegado à frente da investigação, pois ele não será parte na relação
processual.” Destarte, não há dúvidas que o sistema encontra-se em crise, até
porque, o passado já tem história. Os nossos direitos individuais já foram
manchados de sangue pelos regimes totalitários. Foram-se os tempos das trevas,
os tempos da opacidade jurídica.
É mister destacar, que o maior passo dado
pelos órgãos legiferantes, fora o tão consagrado Estado Democrático de Direito.
Cairíamos numa imensa contradição, se recuarmos, seria, pactuarmos novamente
pela omissão e supressão das garantias individuais vividas no século XIX. De um
sistema acusatório flexível, regrediríamos ao um sistema inquisitorial
medieval. Um verdadeiro retrocesso jurídico.
Guilherme de Souza Nucci[5] cita decisão do TJSP. In verbis:
“Nada
a objetar quando o representante do Ministério Público acompanha o desenrolar
das investigações policiais e isto porque ‘é o Ministério Público o titular da
ação pública, e ninguém melhor que ele para acompanhar aquelas diligências
policias’. Mas entre acompanhar diligências policiais e assumir, praticamente,
a direção do inquérito policial a distância é grande. (...) Não se discute
caber ao Ministério Público a faculdade e o poder de requisitar diligências
diretamente aos órgãos da polícia judiciária. Mas essas atribuições não podem e
não sobrepõem e nem hão de contrariar as normais processuais vigentes e bem
assim os preceitos constitucionais que garantem o contraditório.”( TJSP/ HC
99.018-3, São Paulo, 2ª. C., rel. Weiss de Andrade, 25.02.1991, v.u)
Por
conseguinte, a Constituição da República fora clara e cristalina em estabelecer
a distribuição de competência para cada órgão. Contudo, não podemos admitir,
que em pleno Estado Democrático de Direito, vivamos afronta direta aos princípios
regentes do processo penal. Ceder tal poder ao Ministério Público é sem dúvidas,
enfraquecer a polícia judiciária. É como reger uma orquestra sem maestro, você
não sabe até onde vai à música. “(...) acreditar na imparcialidade do
Ministério Público é uma ilusão. A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor
defesa do cordeiro.”(Guarnieri)[6].
Ex positis, entendo que o promotor de
justiça, titular da ação penal, não pode de forma alguma assumir a função do
órgão investigatório, dessa forma, estaria assumindo dupla função. Além de
propor a ação penal, realizaria a investigação. Entretanto, o papel fundamental
do parquet neste momento, é de fiscal
da lei, e não de investigador. Se investigador fosse, padeceria de total
imparcialidade na propositura de sua ação, isto é, estaria investigando durante
toda a fase do inquérito policial e, sobretudo, depois de proposta a ação,
durante toda a instrução criminal as faria novamente.
Aury Lopes Jr[7]
“Mudem ou mantenham os inquisidores, pois a fogueira continuará acesa. Só não
vê quem não conhece, ou pior, não quer que isso seja percebido."
[1]
Acadêmico do 7º semestre da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA).
[2]
Moraes, Alexandre de Direito Constitucional/ 28. Ed – São Paulo: Atlas,
2012. Pág. 638. Cita: STF – Pleno – HC
nº 91.661/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão: 10-3-2009. Conferir, ainda, no
mesmo sentido: STF – 1ª T. – HC 96.638/BA – Rel. Min. Ricardo Lewandowisk,
decisão: 2-12-2010, e o fundamento voto do Ministro Celso de Mello (2ª T. – HC
93.930/RJ, decisão: 7-12-2010), onde expõe completa fundamentação sobre a
questão.
[3] Juarez
Tavares, membro do Ministério Público Federal e professor da Universidade do
Rio de Janeiro. (O Ministério Público e a tutela da intimidade na investigação
criminal, p. 227)
[4]
Nucci, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal/
Guilherme de Souza Nucci – 8. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista do Tribunais, 2011. Cita Maurício Henrique Guimarães Pereira (Habeas corpus e polícia judiciária, p. 208)
pág. 153
[5]
Nucci, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal/
Guilherme de Souza Nucci – 8. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista do Tribunais, 2011. Pág. 154.
[6]
GUARNIERI, José. Las Partes en el
Processo Penal. México, Jose M. Cajica, 1952, p.285