domingo, 20 de janeiro de 2013

A possibilidade do Ministério Público realizar investigação criminal


                             
                      
Luís Octávio Outeiral Velho[1]

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal brasileiro, abraça o corolário da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, inova ao que se refere à separação dos poderes, tendo o Ministério Público como titular da ação penal (art. 129 CF/88; com exceção do artigo 5º inciso LIX, da Lex Legum). Neste viés, estabelece inequivocamente as funções da polícia federal e civil, para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder Judiciário (artigo 144 CF/88).

No que versa sobre a possibilidade do órgão Ministerial realizar a investigação criminal, posiciona-se Alexandre de Moraes[2], citando decisão do Pretório Excelso: O Supremo Tribunal Federal reconheceu ser “perfeitamente possível que o órgão ministerial promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito”, pois, conforme salientado pela Ministra Ellen Gracie, “tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144), de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos, mas também a formação da opinio delicti.”

Data máxima vênia ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. É primordial, que entre os poderes haja o equilíbrio de contrapesos e medidas, ademais, conceder ao órgão Ministerial a intervenção para promoção de provas, seria não impor-lhes limites, isto é, tornar o poder do Ministério Público discricionário e arbitrário. Isso se dá, pois, o parquet não atua como fiscal da lei no processo penal, conquanto como parte.

   Nesta senda, o doutrinador Juarez Tavares[3] nos ensina:

 “É inconcebível que se atribua a um órgão do Estado, qualquer que seja, inclusive ao Poder Judiciário, poderes sem limites. A democracia vale, precisamente porque os poderes do Estado são limitados, harmônicos entre si, controlados mutuamente e submetidos ou devendo submeter-se à participação de todos, como exercício indispensável da cidadania.”

Arraigado na mesma concepção, Guilherme de Souza Nucci[4] cita Maurício Henrique Guimarães Pereira: “[...] Melhor, então manter o delegado à frente da investigação, pois ele não será parte na relação processual.” Destarte, não há dúvidas que o sistema encontra-se em crise, até porque, o passado já tem história. Os nossos direitos individuais já foram manchados de sangue pelos regimes totalitários. Foram-se os tempos das trevas, os tempos da opacidade jurídica.

É mister destacar, que o maior passo dado pelos órgãos legiferantes, fora o tão consagrado Estado Democrático de Direito. Cairíamos numa imensa contradição, se recuarmos, seria, pactuarmos novamente pela omissão e supressão das garantias individuais vividas no século XIX. De um sistema acusatório flexível, regrediríamos ao um sistema inquisitorial medieval. Um verdadeiro retrocesso jurídico.

Guilherme de Souza Nucci[5] cita decisão do TJSP. In verbis:

“Nada a objetar quando o representante do Ministério Público acompanha o desenrolar das investigações policiais e isto porque ‘é o Ministério Público o titular da ação pública, e ninguém melhor que ele para acompanhar aquelas diligências policias’. Mas entre acompanhar diligências policiais e assumir, praticamente, a direção do inquérito policial a distância é grande. (...) Não se discute caber ao Ministério Público a faculdade e o poder de requisitar diligências diretamente aos órgãos da polícia judiciária. Mas essas atribuições não podem e não sobrepõem e nem hão de contrariar as normais processuais vigentes e bem assim os preceitos constitucionais que garantem o contraditório.”( TJSP/ HC 99.018-3, São Paulo, 2ª. C., rel. Weiss de Andrade, 25.02.1991, v.u)

                                   Por conseguinte, a Constituição da República fora clara e cristalina em estabelecer a distribuição de competência para cada órgão. Contudo, não podemos admitir, que em pleno Estado Democrático de Direito, vivamos afronta direta aos princípios regentes do processo penal. Ceder tal poder ao Ministério Público é sem dúvidas, enfraquecer a polícia judiciária. É como reger uma orquestra sem maestro, você não sabe até onde vai à música.  “(...) acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão. A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro.”(Guarnieri)[6].

                                   Ex positis, entendo que o promotor de justiça, titular da ação penal, não pode de forma alguma assumir a função do órgão investigatório, dessa forma, estaria assumindo dupla função. Além de propor a ação penal, realizaria a investigação. Entretanto, o papel fundamental do parquet neste momento, é de fiscal da lei, e não de investigador. Se investigador fosse, padeceria de total imparcialidade na propositura de sua ação, isto é, estaria investigando durante toda a fase do inquérito policial e, sobretudo, depois de proposta a ação, durante toda a instrução criminal as faria novamente.

Aury Lopes Jr[7] “Mudem ou mantenham os inquisidores, pois a fogueira continuará acesa. Só não vê quem não conhece, ou pior, não quer que isso seja percebido."        




[1] Acadêmico do 7º semestre da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA).
[2] Moraes, Alexandre de Direito Constitucional/ 28. Ed – São Paulo: Atlas, 2012.  Pág. 638. Cita: STF – Pleno – HC nº 91.661/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão: 10-3-2009. Conferir, ainda, no mesmo sentido: STF – 1ª T. – HC 96.638/BA – Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, decisão: 2-12-2010, e o fundamento voto do Ministro Celso de Mello (2ª T. – HC 93.930/RJ, decisão: 7-12-2010), onde expõe completa fundamentação sobre a questão.

[3] Juarez Tavares, membro do Ministério Público Federal e professor da Universidade do Rio de Janeiro. (O Ministério Público e a tutela da intimidade na investigação criminal, p. 227)
[4] Nucci, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal/ Guilherme de Souza Nucci – 8. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2011. Cita Maurício Henrique Guimarães Pereira (Habeas corpus e polícia judiciária, p. 208) pág. 153
[5] Nucci, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal/ Guilherme de Souza Nucci – 8. Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2011. Pág. 154.
[6] GUARNIERI, José. Las Partes en el Processo Penal. México, Jose M. Cajica, 1952, p.285
[7] Lopes Jr, Aury. Direito Processual Penal e a sua conformidade Constitucional pág. 336.